quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Não tem príncipe e nem princesa


Eu nunca usei blusa marrom, bebi uísque, nadei com golfinho, vi um disco voador, tomei leite com manga, dei um mortal, abracei um anão, vi fantasmas, fui assaltada, atirei o pau no gato, dirigi um trator, senti a neve, resolvi um cubo mágico, tive uma casa na arvore, enterrei um tesouro, pedi carona na estrada, fiquei perdida em um passeio na floresta mesmo porque eu nunca fui a um passeio na floresta, e nunca em toda a minha vida assumi que eu uso calcinha bege.  Certas coisas que eu nunca fiz talvez eu nunca faça ou por medo, gosto ou por falta de oportunidade, mas têm certas coisas já realizadas que deixam na minha memória certo gosto, cheiro e vontade de realizar de novo como se nunca tivesse feito.

Normalmente, quando estou triste ou ansiosa, eu compro um par de chinelo de dedo, chocolates ou dvds, as vezes compro os três dependendo do grau do sentimento. Minhas refeições não levam mais de 10 minutos, na verdade nunca contei, mas não duvido que eu consiga comer um prato em 5 minutos e depois sempre prometo comer devagar nas próximas refeições e nunca cumpro.  Eu acho sexy pessoas que piscam depois de dizer um “obrigado”, sempre acredito que o que dizem é exatamente o que pensam, e acho lindo uma fruteira com cerejas, mas detesto o gosto delas. Tenho dificuldades com relógios de ponteiros, rotas e caminhos, combinação de cores, segurar o choro ou o riso, esperar acabar o jantar para comer a sobremesa, de acordar ou dormir cedo, em dizer “paralelepípedo”, em fazer algo por pura obrigação, de ir embora quando quero ficar e muita dificuldade em aceitar que o ser humano é um bicho muito estranho.

Quando eu estava no primário eu tinha um amiguinho que eu adorava muito, achava ele legal, divertido e sempre estávamos próximos, até que um coleguinha nosso o chamou de retardado em um recreio qualquer e assim ouvi pela primeira vez a palavra “retardado”, como foi usada para classificar uma pessoinha que eu tanto gostava achei que seria um elogio e então chamei uma coleguinha da sala de retardada depois que ela me ofereceu uma bala, ela foi correndo contar para a professora que me deixou uma semana sem recreio.  Lembro como se fosse ontem, quando a mesma professora uma vez nos perguntou como foi nosso dia das crianças e um por um detalhou seu dia, um menino disse que o pai o levou ao campo de marte... Aquela noite eu não dormi imaginando ele junto com a família jogando bola com os marcianos! Ouvindo uma conversa de adultos se lamentando porque o ingresso de tal show estava esgotado eu fiquei imaginando como eles deixaram aqueles ingressos cair no esgoto e porque não compravam outros ingressos logo ao invés de ficar choramingando. Até mais ou menos uns sete ou oito anos de idade eu pensava que as manequins em vitrines de lojas eram corpos de gente que já faleceu, via láctea era um doce muito caro, bombeiro era rico, piloto de avião era super-heroi, astronauta era extra terrestre, o Ziraldo uma criança com cara de adulto, os trapalhões eram irmãos sem pai nem mãe, borboletas viviam em asilos e os velhos nos casulos, o papai noel era o homem do saco disfarçado, filme proibido era história de piratas, que homem não chora, mãe curasse qualquer machucado e que o amor era lindo.